Por: Paulo Giannocco
O tema deste artigo cita datas e números obtidos das pesquisas dos
autores em documento confiáveis. O primeiro
registro chinês diz da primeira referência de uso da concha como dinheiro entre
os períodos de 2000 a 1500 a.C. Apesar do tempo remoto, não foram os chineses
que “inventaram” a concha como moeda; eles apenas aceitaram-nas a fim de
participar de uma proveitosa troca de mercadorias com diversas sociedades além
fronteiras. Até o final do século XV, os europeus só conheciam a Ásia via mar
Mediterrâneo, mar Vermelho até a Índia e norte da África. A Oceania e resto da
África; com exceção dos portugueses que se dirigiam as Índias contornando a
África. É exatamente nestas regiões que a concha primeiramente se desenvolveu
como moeda, e que os europeus tomaram conhecimento deste mercado baseado em
conchas, já então expandido e dele se aproveitaram.
A questão é: porque povos e comunidades distintas aceitaram conchas
como valor de troca de bens? Porque a credibilidade?
A resposta está na ancestralidade comum de todos; ou seja, na base, no grupo ou
grupos dos quais todos eram (e somos) descendentes, herdando inclusive seus
costumes. A concha representava o mais importante mistério, o nascimento, a
vida que se reproduzia dos homens, animais e vegetais; estes dois últimos como
sustento alimentar para sua longevidade. O nascimento numericamente maior que a
morte era à base do crescimento e preservação da tribo, tornando-a mais forte.
Portanto a concha era um importante amuleto sendo carregada por muitos em forma
de colar ou pulseira.
Os reflexos da crença podem ser vistos nos rituais em muitas
sociedades e antigas civilizações. Um exemplo; a pia batismal da igreja de
Santiago de Compostela e de muitas igrejas era uma válvula da Tridacna gigas que
simbolicamente representava a conversão de um herege do mito da concha para a
religião da criação cristã do homem. Talvez algum dia se possa contar melhor
esta história, mas não há dúvida que a concha sempre esteve e ainda está
presente junto ao homem, participando dos seus ritos, valores e crenças. O estreito
vínculo desde o primórdio do homem terá sido a resposta pela aceitação das
conchas como moeda.
CONDIÇÃO BÁSICA
Para que algo perdure como
moeda é necessário que seja disponível na quantidade, no tempo exigido pelo
mercado e acessibilidade. Vários gêneros e espécies de conchas tiveram tal
atributo conforme sua ocorrência geográfica; porém a de maior importância foi o
cauri (cypraea moneta),
que respondeu às necessidades dos europeus por 500
anos. Esta concha tem tamanho médio de 2 cm, é arredondada e achatada com uma abertura
ventral. Outras conchas,
cypraea anullus circulou em paralelo com a moneta; as marginellas na África subsaariana;
as olivancillarias africanas em Angola e Brasil (Pernambuco e Bahia); a
mercenária entre as nações indígenas norte americanas, chamada de wampum.
Vulgarmente chamada
de cauri , nome de origem hindu do sânscrito e adaptado pelos portugueses. Também foi foneticamente adaptado para o
inglês “cowrie”. Na África é chamado de búzio. As olivancillarias africanas e
as brasileiras de zimbo.
ILHAS MALDIVAS - A MAIOR FONTE
As Maldivas são um arquipélago
formado por 1.196 ilhas coralinas no Oceano Índico a sudeste do Sri Lanka; seu povo
é muçulmano, religião islâmica. O sultanato foi dominado pelos portugueses,
holandeses e ingleses até 1965. Três anos mais tarde tornou-se república. Em
todo arquipélago se reproduz o cauri em abundância, sem predador natural. Na
ilha Laquedivas, pertencente a Índia também há cauris.
CHINA - OS PRIMEIROS REGISTROS
Os primeiros indícios e registros do uso do cauri como moeda estão
na China;
Dinastia Xia (2000 – 1500 a.C.), conchas naturais vindas dos mares do
sul;
Dinastia Shang (1700 - 1027
a.C.), manufaturadas em argila, osso de boi e jade;
Dinastia Zhou (1027 – 221 a.C.), em jaspe; fundidas em cobre,
bronze, chumbo, prata e bronze banhada a ouro;
Dinastia Qin (221 – 207 a. C), fundidas em ferro.
Estes são seus períodos iniciais,
algumas conchas manufaturadas não circularam em algumas dinastias seqüentes, mas
voltaram em outras. Os cauris de cobre e bronze foram fundidos quase o dobro do
tamanho natural. Na dinastia Tang (618 – 907 d. C.) iniciou-se o processo de
fundição por moldagem em areia e a cera perdida. Os cauris de ouro circularam por
cinco dinastias.
Estas moedas serviram como fator agregador no pós- guerras civis que
formou o país.
OS EUROPEUS
Quando os portugueses tomaram as
Maldivas tornando seu território em 1558, este país já abastecia com cauris o
mercado africano e asiático com os atributos que uma moeda moderna
deve ter, servindo como meio de troca de mercadorias, reserva de valor e
meio de pagamento de bens e serviços. O arroz era o principal produto
comercializado.
Os portugueses impuseram ao
sultão um pesado resgate anual em conchas, participando assim deste mercado e
conquistando o domínio econômico em várias cidades da Índia. O monopólio
português se manteve até a primeira metade do século XVII.
Em 1645 os holandeses firmam acordo no Ceilão, anulando o resgate
português imposto à ilha. Uma companhia particular holandesa V.O.C. – Vereenigde
Oost-Indische Companie; (Companhia Unida do Leste Indiano); entra
preferencialmente no comércio de cauris.
Em seguida chega outra companhia particular, a E.I.C. – East Indian
Company; (Companhia das Índias Orientais) e juntas tomam dos portugueses o
comércio de escravos via Benim e seu domínio em várias cidades indianas,
restando aos portugueses apenas Goa.
Apesar do monopólio holandês, eram os ingleses que mais compravam
conchas nas Maldivas. Os franceses, alemães e dinamarqueses vieram em seguida
participar deste mercado.
A CONVIVÊNCIA COM OUTRAS MOEDAS
Com o dinheiro europeu o sultão das Maldivas organizou um extraordinário
aparato militar com soldados e mercenários treinados na Europa. O “grande
cofre” Maldivas torna-se assim protegido.
Para compreender a convivência desta moeda com as demais européias,
era necessária uma equivalência quantitativa em todo o espectro de negócios, do
mais caro ao mais barato satisfazendo ambas as partes. Podemos fazer um
paralelo das conchas com as moedas metálicas européias com o advento da
revolução industrial na Inglaterra, no século XVIII.
O novo sistema de trabalho trouxe o homem para a cidade, deixando o
trabalho artesanal para operar a máquina de um proprietário, o capitalista.
Fayol, criador da administração industrial, propôs que o salário dos operários
pudesse comprar os produtos então industrializados de modo a girar o dinheiro e
assim todos crescerem. A base operária
estava num nível econômico muito baixo; recém saídos do campo e carentes das
necessidades básicas. Houve de imediato uma forte demanda de produtos baratos e
de consumíveis rápidos. A moeda de menor valor na Inglaterra era o centavo
(farthing), que valia 1/4 do penny; em quantidade insuficiente para suprir a nova
demanda e de valor elevado ante alguns novos bens do mercado. Por sua vez, os
metais eram muito requisitados para fabricação de máquinas, tornando as moedas
mais caras. O custo de fabricação do centavo ficou maior que o seu valor de
face. Como comparação, em 1850 na Nigéria, o centavo era trocado por 30 cauris.
Os acordos entre comerciantes davam enorme vantagem aos europeus;
compravam conchas com seu dinheiro, com elas produtos a serem vendidos na
Europa com margens de lucro de 100 a 500 %, às vezes mais. Se por um lado 1
centavo inglês valia 30 cauris, por outro 1 ducat com 3,25 g de ouro, era trocado por 400.000 cauris. Pela
diferença numérica parece desfavorável para quem dispunha das conchas; mas não,
devido ao seu baixo custo de produção. Para as Maldivas a matéria prima do seu
dinheiro era gratuita e a pesca do cauri era feita por mulheres e crianças. O método
consistia em boiar pequenas jangadas de madeira com ramos de palmeiras presos entre
as tábuas e com as folhas encostadas no fundo. Após um ou dois dias as folhas estavam
repletas de moluscos. As jangadas eram então retiradas e as folhas sacudidas na
praia, deixando as conchas para secar. A produção era de 5 mil conchas por
mulher por dia, portanto para coletar 400.000, por exemplo; 4 mulheres deveriam
trabalhar por 20 dias; e isto valia 1 ducat de ouro. Não nos parece que na Europa em qualquer
trabalho agrário com 4 colonos e por 20 dias, o senhorio pagasse tal quantia. A quantidade de cauris negociada
pelo sultão era bem controlada, em função do volume posto em circulação, sem
não depreciá-los.
Para qualquer outro país não europeu integrado no modelo de cauris, não
havia interesse em reter moedas metálicas, muito menos de ouro, por equivaler a
grandes quantidades de conchas. Importante era manter reservas de moedas de baixo
valor, mais fáceis de gerenciar entradas e saídas na quantidade que permitisse um
controle apurado da economia. Em Bengala havia ouro e prata, mas o rei e nobres
protegiam suas reservas de conchas como se fossem verdadeiros tesouros.
Num outro extremo, um cauri
valia uma cuia de água potável; cinco cauris uma batata doce cozida; ou seja, todo
o espectro do comércio de bens estava coberto e se podia estabelecer paridade ou
acordo com qualquer outra moeda.
Este cenário criava segurança e equilíbrio de todos os mercados
quanto aos metais constituintes das moedas européias. Por algum momento os
portugueses destinaram grande parte dos cauris de resgate à compra de ouro,
permitindo uma preocupante desvalorização deste metal. Mas para se estabelecer
como moeda, outras exigências deveriam ser satisfeitas.
O cauri tem o tamanho compatível de uma moeda, é leve, possui dureza
e durabilidade suficiente para se manter intacta no manuseio, atrito ou queda
ao chão. Tinha uma propriedade fundamental como moeda nacional ou
internacional: a credibilidade; talvez o maior atributo desde o seu nascimento
e de sua longevidade.
A região das Maldivas não está muito distante das cidades e países onde
nasceram e se desenvolveram nossas maiores religiões, impondo costumes, ritos e
valores bem distintos. Reis e mandatários tinham relações divinas, suas moedas eram
impressas com palavras e ícones religiosos. Nestas circunstâncias não eram aceitas como
meio de troca em todos os lugares às vezes eram trocadas apenas pelo peso de
seu metal.
O cauri era uma moeda correta, sem qualquer conotação religiosa ou
política, sendo aceito em todo o lugar. Dois comerciantes de credos bem
distintos sempre chegavam a um acordo, mesmo quando um produto fosse
comercializado pela primeira vez.
OS NEGÓCIOS
Um aparente problema era a grande quantidade dos cauris nas
negociações. Um mesmo produto podia
variar de preço segundo o destino. O transporte pelo Saara, por exemplo, onerava
muito a mercadoria. Para facilitar a contagem estabeleceram pacotes com
múltiplos de cauris. Assim,
1 cabra equivalia a 6370 cauris;
1 galinha (não é a ave) a 20 cauris;
1 réstia era 40 cauris;
1 cacho igual a 5 réstias;
1 kotta valia 12.000 cauris, que valia também 1 libra esterlina ou 1
larin de prata, este criado pelo sultão por imposição dos ingleses.
Os cauris podiam ser furados, presos a cordas e negociadas pelo seu comprimento.
Grandes quantidades reconhecíveis pelos invólucros trocavam de mãos várias
vezes sem serem abertos.
O comércio entre africanos, asiáticos com os europeus tinha
característica própria. Os comerciantes europeus trocavam seu dinheiro por conchas
nas Maldivas com as quais compravam o produto a ser vendido na Europa. Ingleses
e holandeses, com os maiores volumes negociados, tinham de carregar
completamente seus barcos com conchas e depois partir para as compras.
Perceberam ser mais econômico e mais rápido partirem de seus portos de origem
já com as conchas; isto era viável porque em determinada época do ano não se
podia chegar a alguns portos devido ao mar revolto e ventos fortes; resolveram
comprar cauris e transportá-los para suas sedes. Partiam então de seus portos
carregados de cauris em substituição a areia, pedras e ferro velho, que até
então serviam de lastro.
Holandeses
e ingleses se aproveitaram dos estoques em seus portos para realizarem leilões em
Armsterdam e Londres; onde participavam todas as companhias dos demais países. Os
ingleses vendiam as conchas como as adquiriam e os holandeses as compravam nas
praias das Maldivas; ou seja, ainda não circuladas. Eram enterradas por um período
que o animal era totalmente consumido; limpas e lavadas. De alta qualidade e
sem adicional de peso pela retenção do animal morto; eram chamadas de “maldivas
vivas”, e tinham um valor maior que as conchas inglesas, chamadas de “maldivas
mortas”. Os preços nos leilões eram elevados e os portugueses com o real
desvalorizado e impedidos de negociarem diretamente nas Maldivas, mudam seu
foco mais ao sul da África, que conheciam muito bem.
O alemão Hertz da companhia Altona de Hamburgo teve dificuldade de
entrar no jogo e escapar dos leilões; porém num lance bem engendrado, Hertz se
coloca diretamente no mercado. Com o advento da era industrial, fortaleceu-se
muito o mercado africano; o óleo de palma é um bio combustível que antes era
importado pelos europeus apenas para acender lamparinas, passa a ser utilizado
como lubrificante das máquinas, na indústria têxtil, na composição de material
de limpeza e de sabonetes, aumentando muito seu consumo; 22.000 ton em 1850. Outros
produtos também têm aumento de consumo, couro de boi, cordas, algodão, inhame, índigo
etc. O comércio com a África é intensificado e diminuído com a Índia e duas de
suas mais importantes cidades têm seus estoques de conchas diminuídos, Orissa e
Bengala.
Hertz se aproveita da situação, calcula
a possibilidade de bom lucro trazendo uma concha de Zanzibar na África, mesmo
descontando os custos da pesca, distância, o maior peso em relação ao cauri e ainda
a deprecia em valor em relação ao cauri para que tivesse aceitação. Deu certo;
e, em 1844 esta concha do mesmo gênero que o cauri entrou no mercado, a cypraea
anullus, convivendo com o cauri sem a ele se misturar pela diferença de valor.
Em 1855 e 57, a alemã Altona e duas empresas francesas comercializam
45 ton de cypraea anullus. Em 1880 a última grande compra de uma única vez; a
companhia francesa G.W. Neville adquiriu 300 ton de c. anullus. A dinamarquesa Ostend Company, também
participou deste mercado.
QUANTIDADES NEGOCIADAS EM CAURIS
Os registros de bordo permitiram
que se levantassem as quantidades negociadas com cauris.
Durante todo
o século XVIII, ingleses e holandeses comercializaram uma média anual de 112,5
ton. Nesta conta inclui-se a compra de 880.000 escravos saídos por Benim.
O auge do cauri é a primeira
metade do século XIX; somente os ingleses movimentaram uma média anual de 123
ton. De 1841 à 1850, a média anual entre todos os europeus foi de 400 ton,
sendo 4 anos com 470 ton. Neste período
holandeses e ingleses tiveram pico num único ano de 327 ton.
PORTUGUESES E O BRASIL
Os portugueses conhecedores
de toda a costa africana aproveitam para explorá-la. O deserto do Saara encarecia
muito o transporte para o interior e os portugueses poderiam adentrar a África
pelos rios que bem conheciam e elege Angola como base de exportação de escravos
para o Brasil por estar a 35 dias de viagem de Pernambuco, o menor tempo de
viagem.
Luanda era um mercado próspero e o seu dinheiro uma pequena concha, o
zimbo (olivancillaria nana). No Brasil
há este gênero de molusco, porém duas ou três espécies eram encontradas em toda
a costa (não ocorre a o. nana). Os
portugueses apresentam uma delas ao chefe iorubá que a admira e permite sua
introdução no mercado local. Com dificuldade financeira, os portugueses também
permitem seu uso no Brasil, inclusive negociar escravos entre os senhorios
fazendeiros. A invasão descontrolada do “zimbo” brasileiro quebra o mercado de
Luanda; o rei proíbe o uso destas conchas e impõe o cauri. Os portugueses
trazem cauris dos Açores e mantêm o tráfico de escravos para o Brasil. Mesmo levadas
de mais longe que o Brasil, há dúvida se os portugueses não tenham planejado ou
não tal situação, pois o controle econômico de Angola ficou totalmente nas mãos
dos portugueses via cauri.
Não há informação de qual
molusco brasileiro foi utilizado como dinheiro, presume-se que tenha sido a olivancillaria
steeriae.
Calcula-se em 100 milhões o número total de escravos desde o
primeiro até o último homem que deixou a África para o resto do mundo, uma
grande parte comprada com cauris. No início o preço de cada escravo era de 3600
cauris e 100 anos depois de 20 mil cauris, chegando a 80 mil após proibição
inglesa. Assim mesmo eram considerados muito baratos sendo comprados até por
pequenos comerciantes no Brasil. Entre 1600 e 1850 vieram para o Brasil 4
milhões de escravos, a maioria de Angola.
VALORIZAÇÃO E INFLAÇÃO
Por algumas vezes ao longo do tempo ocorreram oscilações no valor
das conchas, mas normalizadas pela sua própria atividade. Uma grande
valorização acontece nos séculos XVI e XVII pela grande quantidade de prata
levada pelos espanhóis do novo mundo para Europa; a desvalorização das moedas
deste metal faz o cauri setuplicar seu valor.
A introdução de outras conchas gerou inflação, como as marginellas
trazidas das Ilhas Mauritius; mas, foi absorvida pela expansão do mercado. Porém uma série de eventos inflacionará as
conchas como moeda no mercado internacional.
A introdução da c. anullus pelo alemão Hertz, por exemplo, faz
escapar das mãos originais o controle quase que total do mercado pelas Maldivas.
O aumento de países participantes, suas distâncias, seus problemas, inviabiliza
qualquer centralização de controle, os preços das mercadorias variam muito de
acordo com o lugar e também chegam cauris de outros centros como Filipinas e
Singapura.
A pressão dos ingleses contra
a migração de mão de obra barata da África para a agricultura no novo mundo, deslocando
da Índia e África as culturas de seu domínio de cana de açúcar, café, fumo e
algodão que também retira a concha da intermediação comercial. Pela lei Bill Aberdeen,
de 1845, os ingleses se permitem a abordar e confiscar qualquer barco com
escravos (com exceção dos norte americano). Apesar da lei, de imediato diminuir
o volume de compra, ela gera o resultado inverso do esperado pelos ingleses. Os
traficantes portugueses instalados no Brasil e em Nova Iorque se unem aos
confederados americanos, que sofriam a pressão dos nortistas para o fim da
escravidão. Navios negreiros de bandeira norte americana eram arrendados pelos
portugueses para trazer escravos para o Brasil sem a abordagem inglesa. Devido
a perseguição, o preço de um escravo, que também era trazido cada vez de mais
longe, chegou a 80.000 cauris, quantidade inviável como transporte de pagamento,
pois um navio negreiro podia comportar 700 escravos por viagem. Assim o dólar
americano substituiu o cauri como moeda neste comércio; exatamente o oposto da
vontade inglesa que vê sua moeda diminuir seu poder de influência. O algodão
norte americano chega a Europa mais barato que o africano trazido pelos
ingleses. As conchas perdem posição também frente ao dólar.
O avanço tecnológico a partir da revolução industrial trouxe novos
fatores desfavoráveis à permanência do cauri nas relações comerciais no médio
prazo. Com o barateamento no processo de fundição de metais menos nobres,
ingleses e franceses fabricam moedas metálicas de baixo valor agregado,
competindo com o cauri.
Um diretor da companhia E.I.C. investiu seu patrimônio em cobre, com
alto estoque, mas sem mercado, ficou em situação falimentar. Um amigo seu, alto
funcionário do governo resolve ajudá-lo e propõe a fabricação de uma moeda de
cobre na Índia; o governo inglês compra o cobre abaixo do valor de mercado e
produz o pice indiano. Oportunamente, os estoques de cauris em Orissa e Bengala
estão muito baixos e o sultão das Maldivas compra muito arroz destas cidades
com cauris para enfrentar o pice, mas a nova moeda se consolida.
A partir de 1901 os ingleses proíbem diversas colônias do uso de
concha. Em 1906 a Nigéria, é proibida de importar c. anullus e criam a moeda anini
de 1/10 do valor do penny, em substituição ao cauri.
Franceses usam o alumínio fundido como lastro de moedas em suas
colônias introduzindo o franco em substituição ao cauri, fortemente taxado.
Implantação de bancos ingleses nas suas colônias, operando apenas com
moedas metálicas; reservas em cauris eram proibidas, ficando fora dos serviços bancários
oferecidos.
Ingleses e franceses destroem
estoques de cauris em algumas de suas colônias, proíbem pagamento de impostos de
suas colônias com cauris. Em 1912 os alemães proíbem a circulação do cauri em
Camarões.
O FIM
O fim era inevitável, o contexto sócio econômico, desenvolvimento
das nações e modernidade colocaria um fim natural com ou sem pressão de
interesses particulares. A primeira grande guerra, 1914 – 17 deram um fôlego
temporário ao cauri, quando os países envolvidos mudaram seu foco para o
litígio; a quebra da bolsa norte americana em 1929 também, enquanto os países
não reorganizassem suas economias. Porém com a segunda grande guerra, 1939 –
45, os países mais interessados no antigo sistema fizeram parte do cenário da
guerra; os adeptos do cauri têm novas orientações políticas afetando suas
relações.
Lutas internas pelo poder nas Maldivas entre muçulmanos e curdos
põem fim a saga das conchas como moeda. Em 1968 tornam-se república após o sultanato
sob influência inglesa. Atualmente sua receita vem do turismo (63%), da pesca e
comercialização do atum. Os caurís ainda são exportados; como suplemento
medicinal híndi ayurvedic, matéria prima para cerâmica e para adorno pessoal.
COMENTÁRIO FINAL
O zoólogo sueco Karl Von Lineé
desenvolveu um sistema de nomeação científica para os moluscos, “latinizando” o
nome do gênero e espécie do animal. Em 1758, o mesmo Lineé batizou o cauri de
Cypraea moneta, ou seja, dinheiro em latim. O gênero do molusco cypraea é
derivado da palavra Chipre. Nesta ilha havia uma estátua de Afrodite, deusa da
fertilidade grega e onde era cultuada; na época circulou nesta ilha um cauri de
ouro maciço como moeda.
Nomes das conchas citadas e identificadas:
cypraea moneta - é o cauri, não ocorre no Brasil
cypraea
anullus – tem este nome devido a um anel
dourado no dorso,
mercenária
mercenária – o wampum dos índios norte
americanos,
olivancillaria
nana – o pequeno zimbo angolano, na
língua ioruba significa “criança de Deus”,
olivancillaria steeriae – o provável zimbo brasileiro,
marginella
amygdala – circulou no Saara e região sub
saariana,
Gâmbia, Guiné-Bissau, Serra
Leoa e Libéria, únicos países africanos que não utilizaram cauri.
Os Incas usaram conchas juntamente
com grãos de cacau como moeda interna.
Foram encontrados cauris de
bronze em túmulos etruscos.
O explorador francês Lafayette quando chegou a América do Norte
negociou a compra de peles de búfalo; em troca os índios Creek pediram conchas.
Outras cinco nações indígenas que usaram o wampum: Pawnee, Cheyenne, Dakota,
Cherokee e Apache. Estas conchas variam muito de cor e determinado
posicionamento de suas lascas coloridas era o registro de contagem numérica de
índios e búfalos.
Comunidades pequenas com monocultura
trocavam seu produto por conchas iguais as que haviam em suas praias. O
discernimento de avaliar a quantidade recebida e o que pudesse com elas obter não
caracterizava uma situação de risco.
Conchas foram encontradas em
cavernas habitadas por hominídeos na França e no Chile; a sua relação com
diversas entidades e deuses em todos os continentes em tempos remotos até
atuais pode justificar a credibilidade que a concha sustentou como moeda por
todo esse tempo.
AS CONCHAS COMO TEMA EM MOEDAS E PAPEL MOEDA
Após 1950 muitos territórios e ilhas dominadas por europeus receberam
autonomia, tornando-se países. Esta independência foi outorgada, sem lutas,
movimentos libertários nem a figura de um rei ou líder, heróis ou mártires. A
inexistência de tais personagens direcionou a temática das novas moedas e papel
moeda para as características naturais de cada região. Assim procederam países da
África, Oceania principalmente e outros da América Central. Os principais
gravadores e impressores de moedas foram contratados, inclusive em alguns casos
a desenvolverem o brasão do novo pais. Com liberdade criaram lindas moedas,
algumas parecendo mais com medalhas comemorativas.
Mais de 60 países já imprimiram conchas, cinco delas aparecem nos brasões
e se somarmos com as impressões em papel moeda há ao menos 150 impressões
diferentes. Em média é lançada uma moeda com concha por ano.
Todas as conchas destes países estão identificadas, cada espécie no
seu próprio habitat, e o desenho correto da concha correspondente, porém o desenho
da concha nas moedas brasileiras (cruzeiro de 1970 a 90; 2ª família 1979 a 86;
e, 50 cruzeiros de 1990 a 92, junto com baiana do acarajé); é sempre o mesmo
desenho do cauri; que não circulou no Brasil.
No Brasil circulou o zimbo e, como dissemos provavelmente o zimbo
brasileiro seja a olivancillaria steeriae; caso o leitor consiga alguma amostra
de alguém que a tenha guardado de lembrança, será facilmente identificada pelo
Conquiliologistas do Brasil; assim terá contribuído com pequeno, mas interessante fato da nossa história.
Denominação
das conchas
Moedas Cook
Is. 5 $ – facetada – charonia tritonis
Rep
Maldivas 2R - “ “
Bahamas 1$ - strombus gigas
Fiji 20$ - cypraea aurantium
Guiné 50c
cypraea moneta (cauri)
G. Equatorial
?$ - “ “
Tuvalu 1c
- lambis scorpius
England 20p -
haliotis (abalone)
Cédulas Butão
10Ng
- turbinella pyrum
Aruba 10 Fl
- melongena melongena
Bermuda 5$
- strombus gigas
Maldivas 5Rp
- cypraea moneta
Angola
500.... - olivancillaria nana
Cook Is. 20$ -
charonia tritonis
Cook Us. 3$ - tectus niloticus
Suissa 20Fr
- amonite ( fóssil )
Chinesas osso
de boi (peq. Escura), jade ( cor não homogênea) – ( Shang)
Jaspe
( branca ), chumbo – ( Zhou )
Bronze
( metálica grande ) – ( após din. Tang )
BIBLIOGRAFIA
Glyn & Roy Davies,1966/2002 – “Monetary History from Ancient Times to the Present Day
Wang Yu Chuan – “Early Chinese Coinage” - internet
J Hagendorn & M Johnson – “ The Shell Money of the Slave Trade”- Cambridge University Press
A F Iroko – Prof Univ. de Benin – “As Valiosas Conchas da África” – O Correio da Unesco- 03/1990
Gerald Horne – “O Sul Mais Distante”- Cia. Das Letras – copy 2007, N York University Press
SECRE/CAP – Banco Central do Brasil