Olímpia, juntamente com Atenas e Esparta, são as cidades mais famosas da antiga Grécia. Mas se Atenas e Esparta são famosas por haverem combatido até se destruírem mutuamente durante a guerra do Peloponeso, Olímpia resplandece como símbolo de irmandade e de paz duradoura.
Para a numismática, Olímpia assume uma importância ainda maior pelo grande número de belíssimas moedas cunhadas, enquanto Atenas produziu exemplares de pouca expressão artística e configuração "monótona", além da severa Esparta que, por não querer ceder aos caprichos da corrupção do dinheiro, não cunhou moedas nesse período, fabricando-as em época tardia. As barras, espetos e pedaços de ferro usados pelos espartanos, nesse período, a título de dinheiro, não podem ser considerados exemplares de uma cunhagem de moedas.
As emissões de Olímpia são extremamente ligadas aos jogos olímpicos; assim como hoje, celebrados a cada 4 anos. Tanto Seltman quanto Kraay, estão de acordo em afirmar que a cunhagem das moedas era, via de regra, executada durante os jogos, época em que aumentava, de forma consistente, a chegada de peregrinos. Os que chegavam à Olímpia, fosse para participar dos jogos ou puramente como espectadores, deviam "cambiar" suas moedas com aquelas de produção da Casa da Moeda local, pagando o ágio devido ao câmbio estabelecido por ocasião dos jogos, o que resultava em um excelente ganho para os cofres públicos.
Seltman, seguindo o raciocínio de Babelon, afirma que as primeiras cunhagens tiveram início ao final do VI século a.C., haja vista as primeiras emissões ostentarem no seu anverso uma águia em pleno vôo, o mesmo estilo ligado aquele presente nos estateres de Cálquida de Elbeia, cunhados antes de 506 a.C. Todavia, B. V. Head, e em tempos mais recentes outros autores, incluindo o próprio Kraay, deslocaram o início das cunhagens para a primeira metade do V século a.C., sobretudo porque nos mais numerosos acervos de moedas do período arcaico não encontramos os exemplares de Olímpia.
A Casa da Moeda ao início era, muito provavelmente, situada no templo de Zeus, tendo sido, mais tarde, transferida ao lado do templo de Era. As emissões autônomas de Olímpia, ao que tudo indica, cessaram por volta do III século a.C, enquanto os jogos prosseguiram até 394 d.C, ano em que o imperador Teodósio os proibiu, alegando tratar-se de prática pagã.
As moedas de Olímpia, à diferença de muitas outras cunhadas nas Casas da Moeda da Grécia antiga, possuem uma grande variedade de cunhos, sendo sempre de grande valor artístico. Provavelmente, trabalharam nestas Casas os melhores incisores, autorizados a expressar sua arte com liberdade de ação, mobilidade e criação.
Pertence a esta primeira emissão de Olímpia, cunhadas em 468 a.C. os estater da figura a seguir, que no anverso mostra uma águia em vôo, voltada à direita, com as asas bem visíveis. Como frequentemente podemos observar nas cunhagens gregas, o aspecto naturalista da incisão é privilegiado com um grande relevo. É visível a intenção do incisor em distinguir os três níveis de plumas das asas, iniciando por aquele mais sutil, aqui representado por pontos, passando àquele médio, para terminar na mais longa em formato linear.
No reverso, a representação ornamental de um raio (relâmpago) alado, em expressivo relevo, separando as letras F e A, iniciais de FALEION, ou seja, moeda dos Élides (Élida, na costa ocidental do Peloponeso).
Tanto a águia quanto o raio fazem referência a Zeus, pai de todos os deuses. A águia é o seu animal sagrado e o raio a arma que Zeus usa contra seus inimigos. Apesar do estilo ser ainda arcaico, a estampa é de notável impacto plástico. A águia aqui, é a mesma do estater de Cálquida de Elbeia.
A segunda moeda, ilustrada a seguir, é um estater de 460 a.C. (ex-coleção R. Kappeli). No anverso uma águia semelhante à precedente, mas em vôo voltada à esquerda, com as asas em posição de "alçando vôo", com três níveis de plumagem, trazendo no bico uma serpente. No reverso, vê-se uma belíssima imagem de Nike que corre. O estilo é ainda arcaico, mas já se pode notar, tanto na forma, quanto nos movimentos, os traços marcantes da arte grega do período clássico.
Nike é representada com duas grandes asas abertas, também divididas em escalas de plumagem. Na mão direita, erguida avante, carrega uma coroa, enquanto com a esquerda mantém suas vestes para que não se entrelacem enquanto corre. Tudo dentro de um contexto que exalta os jogos olímpicos, onde o prêmio maior era justamente uma coroa. Aquela destinada aos jogos era de ramos de oliveira, enquanto a outra de louros era usada nos jogos pan-helênicos (Píticos) de Delfos. Nos jogos Nemeus (também pan-helênicos) o prêmio era uma coroa de hiposelinum (planta erbácea da família ombrelífera) e naqueles jogos Ístmicos, em homenagem a Poseidon, a coroa era feita de ramos de pinho selvagem.
Uma outra extraordinária Nike é representada no reverso do raro estater seguinte, de 432 a.C. A jovem alada, que na situação precedente reprsentava força e vigor físico, agora se posiciona sentada, pensativa, apoiando a cabeça ligeiramente ao braço pousado sobre a perna direita cruzada sobre a esquerda. Também se apresenta com duas grandes asas, e na mão direita dois ramos de oliveira. Agora Nike se apresenta de forma a nos conduzir à fase de mudança na arte grega.
O vigor arcaico é aqui substituído por doce expressão melancólica característica do período clássico.
Walker vê nesse estilo de representação de Nike um presságio da guerra do Peloponeso, iniciada naquela época e que irá conduzir os gregos a auto-destruição. Mas provavelmente está pensativa em relação à vitória que sorri a apenas um, derrotando todos os outros. A beleza desta cunhagem demonstra a influência da escola do genial escultor Fídias que teria trabalhado naquela época em Olímpia, esculpindo a grande estátua de Zeus.
Uma belíssima cabeça, severa e austera, mas muito jovem, com barba e cabelos curtos e "cintura" de uma coroa de oliveira é a primeira imagem de Zeus sobre as moedas de Olímpia (figura a seguir).
A moeda, cunhada em 416 a.C., em modesto estado de conservação, porém de grande raridade, é assinada por um artista desconhecido, do qual só temos ciência das iniciais de seu nome (DA). O estilo agora é clássico e representa os traços do Zeus de Fídias. A sua simplicidade é em evidente contraste com a imagem que irá representar, futuramente, o retrato oficial de Zeus, no IV século a.C., estampado no estater a seguir. Nele, a cabeça de Zeus é circundada por uma grande massa de fios de cabelos, entre os quais quase não se nota a coroa de louros, e uma barba fluente. O olhar é mais severo e punitivo, sublinhado pela curvatura das sobrancelhas, tudo muito de acordo e dentro do atual contexto do que entendemos como a imagem de Zeus.
No everso da primeira moeda (Zeus jovem), temos a reprsentação ornamental do raio, alado circundado pro uma coroa de oliveira, enquanto na segunda moeda temos a águia parada, voltada à direita.
Outra belíssima cunhagem do período refigura a cabeça de Era, mulher de Zeus, representada na figura a seguir, em um estater cunhado em 412 a.C.. A protetora de todas as esposas é aqui representada com traços finos e suaves, mas com a expressão de decisão e de "enervantes" calma e sabedoria. Acima, na cabeça, carrega uma coroa de pequenas pérolas e flores de liz, desde aquela época símbolo da realeza. Aqui, o estilo é decididamente clássico. No reverso, a representação ornamental de um raio, agor sem as asas, em uma coroa de oliveira. o exemplar em questão foi cunhado na Casa da Moeda de Era. A existências de duas Casas da Moeda em Olímpia é comprovada pelo fato que as duas séries de moedas cunhadas não possuem nenhum cunho em comum, coisa que sucede com frequência no âmbito de uma mesma Casa de cunhagem (Kraay, página 105).
Uma das mais belas representações de animais em moedas gregas diz respeito àquelas que podemos admirar nas cunhagens de estateres de 408 a.C., atribuídos ao mesmo artista DA da cunhagem de Zeus jovem. A águia com o bico forte em primeiro plano (figur a seguir), mantém o olhar fixo no horizonte, emanando sensação de calma, potência e vigor, "terrível", mesmo que estática.
Sob a cabeça da águia se nota uma folha de álamo e no reverso o habitual raio ornado e alado.
Um outro estater muito interessante daquele período, foi cunhado em 396 a.C. (figura a seguir). No reverso a figura de uma águia que mata uma serpente presa entre suas garras. A cena, de evocação muito naturalista, mostra a curvatura do dorso da águia e de sua cabeça que se adaptam perfeitamente ao corpo circular da moeda, de belo efeito plástico. A curiosidade fica por conta de que a moeda aqui representa um escudo sober o auql foi incisa a cena descrita, fazendo com que sobrevenham dois visíveis relevos que exaltam a magnificência do exemplar aqui tratado. No reverso é inciso o raio alado, separando as iniciais F e A, com a primeira em relevo e a segunda, curiosamente inclusa.
Para encerrar o texto, gostaria de fechar com um belíssimo retrato, digno herdeiro das cunhagens de Siracusa com a efígie de Arethusa. A ninfa di Olímpia é representda com os traços finos, ligeiramente velados de expressão melancólica com os cabelos recolhidos e entrelaçados em alto, portando dois brincos pendentes. Esta moeda (figura a seguir) de rara beleza foi uma das mais desejadas pelos colecionadores dos séculos XIX e primeiros anos do século XX. No reverso, uma águia pousada, asas fechadas, voltada à direita, em magnífica expressão de força, soberania e vigor, circundada por coroa de ramos de oliveira.
Texto - Numismática Bentes