OS CARIMBOS DO IMPÉRIO BRASILEIRO


Este artigo não tem como finalidade elucidar a origem e os motivos da aplicação dos Carimbos do Império, pretendendo somente reunir algumas poucas informações disponíveis sobre este tema altamente controverso da nossa numismática, sobre o qual não existem certezas e todas as informações são hipóteses, não devendo, portanto ser consideradas definitivas.
Cabe ressaltar que todas essas peças são da mais alta raridade, já que de poucos exemplares chegaram aos nossos dias e que o debate quanto à sua autenticidade , excluindo-se algumas notoriamente falsas, por seu cunho grosseiramente rústico, está longe de terminar.
O Decreto ou a Lei que autorizou a sua criação e aplicação são totalmente desconhecidos. Podemos concluir apenas que são  posteriores ao dia 1° de Dezembro de 1822, data em que a coroa real foi substituída pela coroa imperial, representada no anverso dos referidos carimbos.
A falta de informações relacionadas aos carimbos pode também ser atribuída à destruição de documentos da Casa da Moeda do Rio de Janeiro, nos vários incêndios ocorridos, tendo destaque o de 1° de Outubro de 1836, que durou mais de 8 horas e no qual foram perdidos grande parte dos arquivos e da seção de gravura de cunhos.
Os chamados “Carimbos Primitivos do Império” ou “Carimbos da Independência”, são contramarcas bifaciais aplicadas em moedas de cobre brasileiras. Apresentam no anverso a Coroa Imperial, abaixo dela o valor, ladeado à esquerda por um ramo de café com frutos e à direita por um ramo de fumo, com três flores na ponta. No reverso, o escudo com fundo tracejado verde, dentro desse um anel de estrelas e dentro do anel, a esfera armilar sobreposta à Cruz da Ordem de Cristo.
Esses carimbos aparecem sobre moedas dos mais variados valores e épocas, desde XL réis de Dona Maria I e Pedro III até 37 ½ réis da Casa da Moeda de Minas.
Diversas são as opiniões e hipóteses já levantadas por diferentes autores sobre a origem destas contramarcas. Em seu livro “Catálogo da Collecção Numismática Brasileira”(Rio de Janeiro, 1908), Augusto de Souza Lobo observa que esses carimbos não tem a origem bem esclarecida, podendo ter sido utilizados de maneira provisória até a escolha definitiva dos cunhos a adotar.
Com a proclamação da Independência do Brasil em 7 de Setembro de 1822 e sendo o país reconhecido como uma Nação, tornou-se necessária a criação de uma moeda nacional, como parte de um plano nacionalizador, que atendesse aos insistentes apelos da nação afirmando perante o mundo que o país já era dono de si mesmo. A abertura de novos cunhos com novas armas do Império não havia sido possível em um espaço de tempo tão curto.

Para contornar essa situação foram criadas contramarcas com carimbos bifaciais de 40 e 80 réis, aplicadas em várias moedas de circulação na época – coloniais ou do Reino Unido – sem levar em conta o seu valor facial.
Seriam então estas peças contramarcadas as primeiras moedas com as novas Armas do Império a circular no Brasil Independente.
Contudo, chegou até os nossos dias uma carta de 27 de agosto de 1823,na qual José Maria da Fonseca Costa, escrivão da Receita e Despesa da Casa da Moeda relata ao Presidente do Tesouro Público, o que é resumido a seguir:
- Não recebeu nenhuma ordem para a supressão da moeda com “o novo cunho do Império” - Evidentemente refere-se a “Peça da Coroação”, cujo desenho havia sido reprovado  pelo Imperador, sendo descontinuada a cunhagem;
- Não proibiu o giro “do que tem cunhado”(ainda quanto a Peça da Coroação);
- Em 22/08/1823 iniciou a cunhagem das moedas de cobre de 20 réis com as Armas do Império, conforme Portarias de 21/07/1823 (que manda o provedor da Casa da Moeda aprontar cunhos com  legenda e Armas do Império para cunhagem das moedas de prata e cobre) e 22/08/1823 (que manda cunhar moedas de ouro com a efígie do Imperador  e ressalta que as moedas de prata e cobre sejam cunhadas com as novas Armas do Império).
Exceto no caso das moedas de que tratam as duas portarias acima, segue-se cunhando as moedas de cobre de outros valores com os antigos cunhos (com as Armas do Reino Unido), já que não houve tempo para abertura de cunhos em número necessário para a manutenção do funcionamento de todos engenhos.
Nenhuma referência aos carimbos. Apenas pode-se notar o longo espaço de tempo entre a adoção das Armas imperiais, em 1° de Dezembro de 1822, a ordem para abertura dos novos cunhos com as mesmas armas, pela Portaria de 21/07/1823 e o efetivo início da cunhagem das moedas com os novos cunhos – 2/08/2823. Hipoteticamente seria esse o período de aplicação dos carimbos.
São conhecidas peças nas quais, sobre os carimbos do Império estão batidos os carimbos gerais de 10 ou de 20. Denota-se, portanto que no ano de 1835  e até posteriormente estas moedas ainda estavam em circulação.
Como também não está claro que estes carimbos tenham sido postos oficialmente pela Casa da Moeda, pode-se supor que tenham sido aplicados por iniciativa de alguma província. É baseada nisso a opinião de que a carimbagem possa ter sido feita em Cuiabá, devido à semelhança com a coroa das moedas lá cunhadas, especialmente com a de 20 réis de 1825C.
No entanto, Saturnino de Pádua menciona que a semelhança entre a coroa dos carimbos e a coroa das peças de Goiás e Cuiabá é devida ao fato de esses cunhos terem sido aberto pela mesma pessoa, Francisco Manoel Campolim que até setembro de 1823 servira na Casa da Moeda do Rio de Janeiro. Após ser transferido para Cuiabá, teria aberto os cunhos utilizados na cunhagem das moedas seguindo o mesmo estilo dos carimbos.
Contrapondo-se às suposições apresentadas, encontramos outra, de que esses carimbos não seriam as primeiras moedas a circular com as Armas do Império, mas um levantamento do valor de moedas coloniais e do Reino Unido que estavam circulando nas províncias de Goiás e Mato Grosso, anteriormente à introdução em 1823 das moedas leves, cunhadas na relação de 20 réis a oitava.
Por outro lado, Julius Meili cita a hipótese de que essa carimbagem tenha sido feita até por particulares, prolongando-se essa aplicação até 1828 ou ainda posteriormente, por motivos completamente ignorados. Essa hipótese é baseada na existência de moedas imperiais que trazem os carimbos, abaixo ilustradas.

DESCRIÇÕES DAS VARIANTES
20 Réis tipo I 
Anverso 1:
- Coroa: dois primeiros aros do diadema unidos;
- Diadema: um só traço, fundo curvo;
- Flor esquerda de tabaco encosta na coroa;
- Laço com 1 dobra, diminuta.

Reverso 1:
- Anel com 19 estrelas;
- Bico, pé e braços unidos diretamente à esfera;
- Reverso presente nas peças 40 réis tipo IV e 80 réis tipo V.

40 Réis tipo I
Anverso 1:
-4 com sombra à esquerda;
-Arco ext. esq termina à esquerda da palma;
-Pontículo entre o 4 e o 0, próximo ao 4;
-Laço com 5 dobras;
-Diadema com 3 traços, fundo com tracejado vertical.

Reverso 2:
-Anel com 19 estrelas;
-Bico e pé unidos à esfera por extensão do meridiano e braços unidos à esfera por extensão do equador;
-Lado direito da esfera ligeiramente rebaixado em relação ao esquerdo, ao sul;
- Reverso presente nas peças  40 réis tipo II e 80 réis tipo II.
40 Réis tipo II
Anverso 2:
- 4 sem sombra;
- Arco ext. esq termina sobre a palma;
- Arcos internos com folhas abertas;
- Folhagem do café menos densado que no Anverso 1, com menos frutos.

Reverso 2:
-Anel com 19 estrelas;
-Bico e pé unidos à esfera por extensão do meridiano e braços unidos à esfera por extensão do equador;
-Lado direito da esfera ligeiramente rebaixado em relação ao esquerdo, ao sul;
- Reverso presente nas peças  40 réis tipo I e 80 réis tipo II.
40 Réis tipo III
Anverso 3:
- Coroa rústica, arcos externos soltos das palmas;
- “0” menor do que o 4;
- Flor esquerda de tabaco aponta para o espaço entre a palma e o arco externo;
- Diadema com figuras irregulares: empastado - ponto - losango - retângulo.

Reverso 3:
- Esfera só com 2 coluros;
- Bico: triângulo unido diretamente à esfera;
- Braço direito: haste inferior é prolongamento do equador;
- Reverso presente na peça 80 réis tipo III.
40 Réis tipo IV
Anverso 4:
- Coroa: dois primeiros aros do diadema unidos;
- Diadema: um só traço, forro linhado;
- Filete saindo à direita do 4, e, acima, 4 com leve serifa;
- Flor esquerda de tabaco encosta na coroa;
- Laço com uma dobra, diminuta.

Reverso 1:
- Anel com 19 estrelas;
- Bico, pé e braços unidos diretamente à esfera;
- Reverso presente nas peças 20 réis tipo I e 80 réis tipo V.
40 Réis tipo V
Anverso 5:
- Coroa: arcos com pérolas;
- Globo sem cruz;
- Ramo de tabaco com flores redondas;
- Laço com duas voltas, só na parte interna dos ramos, ponto vazado;
- 4 sem serifa.

Reverso 4:
- Anel com 20 estrelas;
- Tracejado vermelho dentro do anel;
- Trapézios do pé, bico e braços unidos à esfera por hastes grossas.
40 Réis tipo VI
Anverso 6:
- Cunho muito tosco;
- Algarismos do valor muito juntos e com traços grossos;
- Ramo de tabaco com 3 flores muito rústicas;
- Laço com quatro dobras.

Reverso 5:
- Anel: pontos irregulares ao invés de estrelas;
- Esfera só com 2 coluros;
- Escudo sem verde na parte superior esquerda;
- Cunho extremamente tosco.
80 Réis tipo I
Anverso 1:
- Cifras do valor muito grandes, tocando ramos e a coroa;
- 8 inclinado à esquerda;
- Ponto dentro do 8;
- Laço com 4 dobras.

Reverso 6:
- Anel com 18 estrelas;
- Bico, pé e braços unidos à esfera por 2 hastes;
- Traço esquerdo do escudo prolongado abaixo;
80 Réis tipo II
Anverso 2:
- Algarismos pequenos e separados;
- Diadema com pérolas;
- Laço com 4 dobras;
- Tracículo junto ao zero, acima;
- Arcos externos finos junto ao globo e grossos junto às palmas;
- Arco externo direito solto da palma.

Reverso 2:
-Anel com 19 estrelas;
-Bico e pé unidos à esfera por extensão do meridiano e braços unidos à esfera por extensão do equador;
-Lado direito da esfera ligeiramente rebaixado em relação ao esquerdo, ao sul.
- Reverso presente nas peças  40 réis tipo I e tipo II.
80 Réis tipo III
Anverso 3:
- Cunho rústico;
- Arco esquerdo solto da palma, arco direito quase solto;
- Somente arco esquerdo alcança o globo;
- Diadema: pontos atravessados por traço;
- Fumo: 2 pontículos entre as 3 flores;

Reverso 3:
- Esfera só com 2 coluros;
- Bico: triângulo unido diretamente à esfera;
- Braço direito: haste inferior é prolongamento do equador;
- Reverso presente na peça 40 réis tipo III.
80 Réis tipo IV
Anverso 4:
- Valor: “8” menor que o “0”;
- Empastado no arco externo direito da coroa;
- Laço com 5 dobras;
- Flor de fumo esquerda muito pequena, folhas de café arredondadas.

Reverso 7:
- Anel com 19 estrelas;
- Bico, pé e braço direito unidos diretamente à esfera, braço esquerdo unido à esfera por extensão do equador;
- Polo sul achatado.
80 Réis tipo V
Anverso 5:
- Coroa: dois primeiros aros do diadema unidos;
- Diadema: um só traço, fundo curvo;
- Flor esquerda de tabaco encosta na coroa;
- Laço com uma dobra, diminuta.

Reverso 1:
- Anel com 19 estrelas;
- Bico, pé e braços unidos diretamente à esfera;
- Reverso presente nas peças 40 réis tipo IV e 80 réis tipo V.

Menções a estes carimbos:
-Julius Meili “Das Brasilianische Geldwesen” II Parte – Menciona carimbos de 40 e 80 e mostra fotografias dessas moedas no Quadro I;
-Augusto de Souza Lobo “Catálogo da Collecção Numismática Brasileira”, pg 105 menciona carimbos de 40 e 80 e fotografias na estampa LXX;
-Saturnino de Pádua “Moedas Brasileiras”, 2ª ed. pág 147;
-Xavier da Mota “Moeda do Brasil” pág 94;
-Álvaro da Veiga Coimbra “Noções de Numismática” IV – Numismática Brasileira, Brasil Independente, págs 16,17 e 18.
Os carimbos de 40 e de 80 e mais o carimbo de 20 são mencionados em: “Catálogo de Preços das Moedas Brasileiras” – Hermann Porcher; “Catálogo das Moedas do Brasil”, 3º Volume – José Vinícius do Amaral; “Livro das Moedas do Brasil” – Arnaldo Russo.
Os tipos III e IV do valor de 80 Réis tem como moedas base tanto peças da colônia quanto do Império. Não devemos portanto nos prender a um período nem estabelecer um padrão de aplicação.
Analisando essas misteriosas moedas e estudando as poucas informações disponíveis sobre as mesmas conclui-se o quanto são incompletas e contraditórias não esclarecendo nada quanto à provável data de sua aplicação nem quanto aos motivos que as originaram, ficando essa grande lacuna numa parte tão interessante de nossa numismática.



Fonte:
Boletim da Sociedade Numismática Brasileira edição n° 54
Autores: José Serrano Neto & Fabio de Souza

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