O segredo das moedas de Roma

Tesouros desenterrados ajudam a entender a disparidade nas contagens populacionais realizadas durante a República e o Império

Por: Luciana Sgarbi



Dois pesquisadores americanos mataram uma charada histórica. A partir da análise de milhares de moedas de prata datadas dos últimos séculos anteriores à era cristã, eles conseguiram desvendar a causa de uma forte disparidade populacional, até então inexplicável, nos registros do Império Romano. Há anos, a datação de objetos tem ajudado os arqueólogos em diversas pesquisas sobre a história da humanidade. Com o novo estudo, os cientistas puderam ir além dos registros materiais e entenderam como a sociedade romana era organizada. Em particular, eles descobriram quem era "invisível" aos olhos do imperador.
"Os romanos contabilizavam apenas os homens adultos em seus censos", diz Walter Scheidel, um dos autores do estudo e membro do Departamento de Estudos Clássicos da Universidade Stanford (EUA). A pesquisa ganhou destaque internacional na semana passada ao ser publicada no periódico científico americano Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Scheidel e seu colega Peter Turchin, do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade de Connecticut (EUA), afirmam que os romanos, tanto no período republicano (do século V a.C. ao século I a.C.) quanto no período posterior, o do Império, realizavam censos de seus cidadãos apenas para taxação, recrutamento militar e direito de voto em assembleias.
"Por isso, mulheres e crianças eram excluídas." Porém, nem sempre a conta era capaz de explicar a flutuação no número de habitantes. Para entender melhor o que ocorria, os pesquisadores usaram as moedas perdidas daquela época. "Os tesouros escondidos tinham desde três a quatro moedas até algumas dezenas de milhares.
Cem denários equivaliam à metade do salário anual de um soldado", diz Turchin. O denário era uma moeda de prata e originou a palavra "dinheiro". "Em tempos de violência, as pessoas tendem a esconder seus objetos de valor, que são depois recuperados - a menos que seus donos tenham morrido ou sido expulsos", conta. Portanto, quanto maior o número de moedas escondidas, menor o número de habitantes. Assim, nas mãos dos pesquisadores, a distribuição temporal de moedas escondidas transformou-se em um excelente termômetro da intensidade das guerras internas - o que ajudaria a compreender a causa real da variação populacional no período.
O número de habitantes da Roma Antiga dobrou entre a metade do século III a.C. e o final do século II a.C., quando atingiu a marca de 400 mil. A partir daí, com a extensão da cidadania romana ao resto da Itália, houve um boom populacional. Três censos feitos pelo imperador Augusto em 28 a.C, 8 a.C e 14 d.C. mostram números entre quatro e cinco milhões de pessoas, mesmo com a ocorrência de três guerras civis e a incidência de doenças e fome. Uma das hipóteses para o crescimento seria a inclusão de mulheres e crianças na contagem. A outra afirma que não houve mudança na identidade das pessoas recenseadas e que a imprecisão dos censos levou a exageros.

O modelo criado por Turchin e Scheidel confirma a primeira, o que mostraria que o imperador Augusto passou a "enxergar" mulheres e crianças como indivíduos de sua sociedade.

Fonte: Istoé
Postagem Anterior Próxima Postagem