SHEIK MOHAMED HASSAN RASHID - O Mestre papeleiro que resgatou o orgulho do sistema fiduciário brasileiro


O papel-moeda que circulava por todo o território nacional era impresso a 9.486 quilômetros de distância, nas rotativas da gráfica britânica "Thomas de La Rue", em Londres, responsável, à época, pela produção não apenas das notas brasileiras, como também do papel-moeda de dezenas de outros países.

Coube a um cidadão indiano, nascido na então Guiana Inglesa (atual Guiana) e naturalizado brasileiro, o feito de resgatar, digamos assim, nossa soberania fiduciária. Sheik Mohamed Hassan Rashid, formado em Ciência e Tecnologia na Fabricação de Celulose e Papel pela Universidade de Manchester, Inglaterra, foi um dos líderes do projeto que resultou no domínio da tecnologia de produção de papel-moeda.

A primeira cédula genuinamente brasileira, produzida em escala – uma nota de 10 cruzeiros, com a efígie de Dom Pedro II na face e uma escultura de Aleijadinho no verso -, foi rodada em 1978 na gráfica da Indústria de Papel e Celulose de Salto (SP) – uma parceria entre a Indústria de Papel Simão (posteriormente adquirida pela Votorantim Celulose e Papel – VCP) e a empresa francesa Arjomari Prioux.

O esforço para a produção da cédula brasileira demandou nada menos do que nove meses. “Além dos profissionais da gráfica, o projeto mobilizou técnicos da Casa da Moeda, Banco Central, Ministério da Fazenda e até da Interpol”.

Rashid foi um apaixonado por papéis. Ele veio de uma família de papeleiros – seus sete irmãos trabalharam, de uma forma ou de outra, com papéis, assim como seus quatro filhos que atuam no ramo. “Nasci, vivi e vou morrer como papeleiro”, esta é a frase que Rashid utiliza para descrever sua paixão pela produção e arte em papel. O mestre papeleiro trabalhou como consultor, e com pesquisas e desenvolvimento de papéis especiais da fábrica da VCP em Piracicaba (SP), a maior da América Latina. Fossem líquidos, papel e celulose certamente correriam pelas veias de Rashid.

Rashid possuia um extenso currículo e experiência no processamento de papéis. Rashid formou-se também em Engenharia Mecânica, pelo Imperial College of Science, Technology and Medicine (Londres), e fez pós-graduação em Engenharia de Projetos, pelo The National Institute of Engineering, e em Administração e Economia, pela London School of Accountancy, dentre outros cursos de especialização. Mas é o processo de fabricação do papel-moeda que entusiasma Rashid.

A oportunidade em participar do projeto que resultaria na criação do papel-moeda brasileiro surgiu em 1976, quando a Indústria de Papel Simão o contratou como consultor de papéis especiais da unidade de Salto, interior de São Paulo. A fábrica era especializada na produção de papéis fiduciários, como são conhecidos os papéis de segurança (passaportes, documentos como cédulas de identidade, carteiras de habilitação, vales-refeição etc.), foi escolhida pelo Ministério da Fazenda para dar início à fabricação do dinheiro brasileiro.

Para apoiar o trabalho de desenvolvimento, Rashid foi enviado a Paris, para um estágio específico nas oficinas da Arjomari Prioux. “Os franceses diziam: ‘Vocês nunca conseguirão, porque não dominam os processos de segurança”. Mesmo enfrentando tamanha descrença e pessimismo por parte dos franceses, Rashid conseguiu aprender os processos em menos de nove meses, desenvolvendo e dominando técnicas como a de produção de poliéster – fibra que é usada como elemento de segurança. Nos contou Rashid.

Confeccionar dinheiro é um processo quase artesanal. Trata-se de um trabalho meticuloso, centrado principalmente na utilização de técnicas e recursos de segurança. São marcas-d’água, fios sintéticos, fibras coloridas, marcas holográficas, fios de segurança, características como resistência à dobradura, à tração, à umidade, sensibilidade à luz ultravioleta – tudo, enfim, que impeça a falsificação do dinheiro.

Todo esse complexo trabalho é relativamente barato, se comparado ao valor facial do papel-moeda. O custo de produção de uma cédula – não importa o valor, se de R$ 1 ou R$ 200 – é um processo caro.

O negócio de produzir dinheiro, a propósito, já viveu dias melhores. Na virada da década de 1980, quando a inflação estava em total descontrole, a Casa da Moeda era obrigada a criar e produzir constantemente novas cédulas para substituir as notas que se desvalorizavam praticamente da noite para o dia: o IGP-DI, indicador medido pela Fundação Getúlio Vargas, chegou a 2.708,55% em 1993; no ano passado, o índice somou apenas 3,79%.

O descrédito do papel-moeda era tal que as famílias dos personagens históricos escolhidos para estampar as notas recusavam-se a conceder o respectivo direito autoral. Por conta dessa dificuldade, as figuras históricas foram substituídas por personagens regionais – como “o gaúcho”, “a baiana” e outros. Com a economia estabilizada, as notas brasileiras permaneceram praticamente as mesmas desde a implantação do Plano Real em 1994, com exceção da nota de R$ 1 (retirada de circulação), as outras notas de R$ 2, R$ 5, R$ 10, R$ 20, R$ 50 e R$ 100, continuam valendo.

Em agosto de 2020 entrará para a família uma nova nota com valor facial de R$200. Em 26 anos de circulação do Real, as notas sofreram apenas a retirada da cédula de 1 Real, mudanças estéticas e de componentes de segurança, bem como a chegada da cédula de R$200. Graças ao empenho de Rashid, dos técnicos da Casa da Moeda e do Banco Central, os brasileiros podem se orgulhar de seu dinheiro 100% nacional.

As notas brasileiras, porém, estampam uma outra inscrição, que causa uma certa polêmica no tocante aos ateus, agnósticos e defensores do Estado laico: “Deus Seja Louvado”, lema que nos faz lembrar da famosa frase utilizada na moeda americana “In God We Trust” (“Nós confiamos em Deus”), uma questão que ainda será debatida por muitos e muitos anos, mas que não iremos nos aprofundar em nosso artigo. Quem sabe em uma outra oportunidade.


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